Pouca-terra, muita conversa!
Uma viagem de comboio é sempre uma
animação. Histórias e conversas paralelas, nunca faltam mas a de hoje superou
as expectativas.
Numa qualquer paragem do Algarve, a cujo
nome nem liguei, entrou um casal, dos seus setenta e muitos, presumo, mesmo
castiço.
Ele, acelerado, com a sua mala antiga,
quase de cartão, qual emigrante que, vim a perceber, foi em França. Ela , lá atrás,
não querendo saber do número do lugar marcado e a querer, em qualquer um,
aterrar.
Algarvio já marafado, ele insiste em
procurar o seu lugar, refilando: «ma que jêtos… Nã me vou sentar no lugar dos
outros!» Algarvia descontraída, ela continua a teimar que podiam sentar-se num
qualquer e se aparecesse alguém… (Aqui, já eu sorria…)
Venceram, o bom senso e a persistência
dele, e lá se sentaram nos seus devidos lugares, permanecendo em silêncio. Seria
por pouco tempo…
Sentada sozinha, viajava, do outro lado
da coxia, uma moça que estava a pedir conversa. Força de expressão, claro! Na
verdade, a coitada não pediu nada mas a senhora não conteve a sua curiosidade e
sob pretexto de qualquer introdução subtil a respeito do imaginado final de
férias, lança o ataque, bombardeando-a de perguntas diretas.
A primeira coisa que me passou pela
cabeça foi: «se a rapariga não quiser ir na dela, como se vai safar desta…?»
No entanto, surpresa das surpresas, a
moça, para além de afável e paciente, revela-se igualmente tagarela e
entusiasma-se o diálogo que, inadvertidamente, me deixa boquiaberta e perdida
de riso.
A cena que alguma vez vi que melhor se
aplica à comparação comum com as cerejas. Quando se começa…
À medida que a conversa fluía em bom tom
e inacreditavelmente detalhada para os dias que correm, só me lembrava do muito
que se discute a questão da privacidade nas redes sociais.
De repente, dou comigo a saber que o
casal mora em Armação de Pêra e que a rapariga, que entretanto já revelara o
nome sob a pele dos seus 25 anos (ainda que lhe dêem apenas 17 ou 18, diz
ela…), mora em Lisboa, perto do Marquês.
O casal seguia para o Montijo. Têm lá
uma filha (são quatro, ao todo…), onde vão passar uns dias e conhecer a festa
da Moita.
A moça, advogada (quase tudo explicado!)
a fazer um ano de profissão agora em setembro, ficaria por Grândola para acabar
as férias embora prefira o Algarve, onde esteve, perto de Almancil. «Ah, em
Quarteira?» — Atira a senhora. Ao que ela responde: «Não! No Ancão!» (Eu
continuo perdida de riso…)
Fala-se da crise, dos anos emigrados em
França, sem arrependimentos, e que na Europa as coisas não estão mais famosas.
A jovem discorda, alegando que não foi isso que sentiu na Alemanha, onde também
estudou. Provavelmente, um ano de Erasmus porque a escola foi em Telheiras,
onde os senhores têm também uma filha a viver.
Falaram dos netos e daí até à típica
impingisse dos filhos à moça, foi um saltinho, só que em sentido inverso, pois
dizia-lhe a sabedoria da idade deles estar bem sozinha e ela é que fazia
questão de afirmar, convictamente, que queria casar e ter filhos, apesar de se
fartar de trabalhar.
Nisto, num abrir e fechar de olhos se chegou
a Grândola e um «boa tarde, tudo a correr bem» pôs fim ao diálogo, com a jovem
a apear-se, não sem antes a senhora se desculpar muito por falar demais, ainda
que, quanto a mim, tenha sido tão paciente e amavelmente correspondida.
Fez-se silêncio na carruagem e os
senhores seguiram viagem, sem mais dialogar, até saírem na estação do Pinhal
Novo, novamente um com o outro a refilar. Aquela rabugice de quem provavelmente
já partilha cama e mesa há uma vida e que assim se entende, sem deixar de se
amar.
Sofia Cardoso
29 de agosto de 2015
lembrei-me de alguém, que conhecemos bem, que também inicia conversas minuciosas, verdadeiramente íntimas.
ResponderEliminarAgora fiquei confusa... ;)
Eliminar