À Vontade...
Uma das muitas coisas que encontrei de diferente e que estranhei quando me mudei de
Lisboa e fui recebida no Algarve foi a proximidade (para não dizer
promiscuidade) de tratamento entre as pessoas.
No início, achei ingenuamente que ainda parecia uma miúda (com 23 aninhos,
não deixava de o ser, de facto) e que talvez fosse por isso que, a qualquer
lado que fosse – uma loja, uma pastelaria, um supermercado… – os funcionários me
tratassem quase sempre por tu. Parecesse uma miúda ou não, fazia-me imensa
confusão. Por uma questão de educação, de respeito. Não era assim que estava
habituada a que as coisas funcionassem em sociedade, entre pessoas que não se
conhecem, ou que se conhecem formalmente e não se relacionam, sobretudo havendo
diferença de idades digna de consideração.
Eu mesma já trabalhei atrás de um balcão de uma loja, nos tempos
livres, durante a faculdade, e nunca me passou sequer pela cabeça tratar
qualquer cliente que lá entrasse por tu.
Só que aqui não é bem assim. É tudo muito mais à vontade, senão mesmo “à
vontadinha”. Não gosto, em regra, porque não acho respeitoso e nada simpático.
A intimidade é algo que se conquista, não se invade e nem é para toda a gente.
O contexto, o civismo e a proximidade entre as pessoas devem pontuar o
relacionamento entre as mesmas.
No entanto, posso dizer que me habituei a mais esta mudança e que passei
a não dar importância porque a verdade é que nunca confrontei ninguém por causa
disso, ainda que tenha havido ocasiões em que me tenha apetecido bastante
fazê-lo. Preferi sempre pensar que é uma questão cultural, meio provinciana
talvez, que poderia acatar, nem que fosse só para não me chatear.
Certo é que, mesmo ultrapassada a barreira dos 35 anos, me continuam a tratar
por tu de vez em quando e há um sítio onde uma senhora o faz de forma tão peculiar
que confirma haver sempre uma exceção à regra (no caso, à minha forma de pensar).
Esta senhora (veem, nem a escrever eu uso “ela” para lhe fazer referência…)
trabalha numa bomba de gasolina de onde esta semana saí a sorrir, à custa de uma
situação atípica de tu cá, tu lá.
Já parei na dita bomba uma meia dúzia de vezes, mais ou menos à mesma
hora, e costuma estar lá sempre a mesma funcionária, cujo nome ainda não
decorei, apesar de constar de um crachá na sua farda.
A senhora é bastante simpática. Daquelas que está sempre a sorrir e cuja
atenção e conversa-bónus com os clientes lhe dariam com facilidade o prémio de
empregada do mês.
Na verdade, diz sempre mais qualquer coisa do que o essencial e, lá está,
trata-me sempre por tu. Só que, naquele dia, a propósito dos vários talões que
tinha do hipermercado associado à marca de combustível para acumular pontos,
até brincou comigo sobre o que eu devia gastar em comida e, ao emitir-me a
fatura, verificando o nome, atropelou o “tu” e passou diretamente a tratar-me
por Sofia, como se nos conhecêssemos há anos. «Obrigada, Sofia! Boa viagem,
Sofia! Boa semana, Sofia!»
Confesso: achei-lhe um piadão porque o fez de uma forma divertidamente
amável, de forma alguma abusadora ou censurável.
É tão entusiasta no trabalho e tão sorridentemente agradável que não houve
forma de sair dali ofendida. Achei-lhe tanta graça que saí antes com um sorriso
no rosto, a ponto de as minhas filhas repararem e perguntarem porque estava a
abastecer a rir, embora, verdade seja dita, eu fosse incapaz de ter lata de
fazer o mesmo se estivesse no seu lugar.
Vou, definitivamente, voltar a parar naquela bomba a caminho de casa
porque sei que uma pessoa assim me pode alegrar o dia só pela sua simpatia,
como sei também que nem toda a gente tem o carisma necessário a poder agir
nestes termos, sem que os outros considerem que se esteja a “esticar.”
Sofia Cardoso
10 de janeiro de 2016
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