Fim

Foi-te confiada por um pai que sempre te tratou como um filho. Que te adorava, admirava, que em vocês acreditava…
Há um ano, negaste-a pela terceira e derradeira vez. Mundanamente falando, cuspiste no prato que, durante quase 14 anos te saciou e deitaste fora o que sobrou.
Viraste costas e saíste definitivamente, não sem antes lhe dares a estocada final, ao lhe confessares passos que outrora juraria seres incapaz de dar.
Deixaste-a revoltada, dececionada, magoada mas não prostrada. Frustrada, talvez. Por te ter dedicado tantos anos que em minutos desacreditaste tão injusta e levianamente.
Fingiste, realmente, ser feliz durante tanto tempo? Nunca o foste, de facto? Idealizaste verdadeiramente aquela típica vida de casar e ter filhos? Difícil de engolir por quem é e sempre foi de verdade. Autêntica, sincera, genuína, chata, impulsiva, obstinada, é certo, mas sempre apaixonada e capaz de apostar todas as suas fichas num futuro risonho que acreditava ser uma realidade e não uma ilusão ou mero capítulo de uma história complicada.
Brincaste com a vida de quem mais te levou a sério. Desvalorizaste a pessoa que mais valor alguma vez te reconheceu. Desprezaste o sentimento maior que alguém alguma vez por ti sentiu. Viraste costas a quem contigo uma família construiu. A única conquista que na tua vida de mais ninguém dependeu senão de vocês os dois e daquele que era supostamente o vosso único e verdadeiro amor.
Um amor que não subjugaria nem trairia, que daria tudo sem cobrar num fim que nunca existiria. Que não mentiria, não dissimularia, não procuraria subterfúgios ou bodes expiatórios para questões prévias e alheias a quem se entregou de olhos fechados, crente e de coração aberto de que seria mesmo para sempre, aquele teu «sim».
E a vida é tão curta… Quantos não têm segundas oportunidades e tempo de se aperceber dos erros que cometeram…
E é tão triste… Saber que tanta gente gostaria de ter alcançado metade do que tu construíste religiosamente e que soubeste destruir tão impiedosamente.
Irónico, não é? Ou será mesmo estúpido? Incompreensível, pelo menos…
Será que mereceste tudo o que ela te deu? Amor, dedicação, lealdade, entrega, tempo, fidelidade, abdicação… Sabes o que isso é? Prescindir de uma série de coisas/pessoas/momentos por alguém? Dificilmente. Sempre tiveste tudo o que quiseste e de mão beijada.
Sabes lá o que é ter que fazer escolhas decisivas em prol de quem se ama… Virar as costas a um mundo de laços afetivos já criados e de oportunidades assim perdidas… Para um dia constatar que a tua escolha saiu completamente furada. A única escolha que fizeste foi a mais egoísta de todas, em prol de ti mesmo. (Achas tu…)
Conseguiste o que querias? Se calhar… Talvez ela fosse simplesmente demais para ti. Talvez ela mereça mais para ela…
…Ela, a miúda que mais te amou, em ti acreditou, te admirou, por ti lutou, te ajudou, nunca, de ti, desistiu (nem mesmo quando lhe deste motivos para isso…) nunca desabou e no vosso amor confiou… Até ser inconsequentemente atirada pela janela e o amor morrer consequentemente dentro dela…  


Sofia Cardoso
10 de fevereiro de 2016

Comentários

  1. Beijinhos querida Sofia. Texto triste mas com muita força.

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  2. Muito bom este texto e realço este trecho ... "Talvez ela fosse simplesmente demais para ti. Talvez ela mereça mais para ela…"Beijinhos!

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  3. Um texto muito duro! Alguém aqui precisa de sentir gratidão com muita urgência... Eu sei que parece absurdo! Mas não é. Sei do que estou a falar... A força da gratidão é regeneradora. Precisamos de aceitar as mudanças que a vida nos traz e transformá-las em novas oportunidades. Talvez um destes dias te escreva um texto a comentar este e tudo seja mais claro. Beijinhos no coração

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  4. Aceitar a mudança é fácil. Difícil é esquecer o que a motivou... A gratidão talvez aguarde mais à frente, quando a recompensa da mudança se manifestar. Até lá, ganha a resignação.
    Beijo grande.

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