Não te percas...
Todos nós já perdemos um pouco da nossa
essência ao longo da vida, nalgum momento, por alguma razão. Esquecemo-nos
dela, abdicamos dela, perdemo-la de vista no meio dos muitos papéis que temos
que assumir, das responsabilidades, das exigências do mundo à nossa volta, da
rotina, das escolhas que fazemos, das prioridades que estabelecemos, das
pessoas com quem nos relacionamos... Até ao dia em que, naturalmente ou porque
"empurrados da cama", acordamos para a vida e volta aquela adrenalina
que está na base da felicidade pura, que nos recorda a falta que sentíamos de
algo e nem nos apercebíamos. Mas e aqueles que não acordam a tempo ou não
acordam de todo? Que fizeram de si e por si na vida que os consumiu? Não
podemos deixar-nos engolir pela vida quando devíamos antes ser nós a
degustá-la. Por outras palavras, não podemos deixar que a faceta obrigacional
assuma o protagonismo e nos roube o prazer de sermos quem somos, de fazermos o
que mais gostamos, antes de todos os papéis que desempenhamos. Lembras-te de como
eras antes de teres companheiro/a, emprego e filhos? Do que mais gostavas de
fazer nos tempos livres? Do que te fazia sentir bem, sem depender de mais
ninguém? Nem mesmo dos pais ou dos amigos? Antes de nos relacionarmos com quem
quer que seja, familiar, social ou profissionalmente, somos uma pessoa
individual com gostos, interesses, vontades, liberdades próprias. Com a idade e
os tais diversos papéis que assumimos, o tempo começa a complicar-nos a
logística. Temos que nos desdobrar para dar conta de muitas frentes. Mas, nos
dias que correm (ou que nos fazem correr!), é urgente a consciencialização de
que as responsabilidades não podem sufocar a nossa realização pessoal. Se não
respirarmos um pouco de prazer, vamos morrer todos os dias um bocadinho mais
depressa. Não pode ser! Quando a vida nos tira o tapete debaixo dos pés, quando
perdemos o que julgávamos certo e só contamos connosco, e com a sorte ou com
Deus, redescobrimos quem somos e o tempo que perdemos, seja porque nos vemos
subitamente sozinhos, seja porque de repente adoecemos... Seja por que outro motivo
for. Tantas vezes dizemos ingenuamente "temos tempo". Quando a
verdade é que nenhum de nós sabe quanto tempo tem de facto à sua frente. A
forma como o valorizamos é uma escolha nossa. Cada um entende se deve
levianamente gastá-lo, inteligentemente aproveitá-lo ou indiferentemente
deixá-lo apenas passar... A nossa individualidade devia ser uma prioridade. Só
se estivermos bem connosco, se cuidarmos também de nós, saberemos entregar-nos
aos outros, cuidar deles e dar o nosso melhor em tudo o que fizermos.
Da próxima vez que te vires ao espelho,
procura-te a ti mesmo/a e não aquilo que os teus pais, amigos, companheiro/a,
filhos, patrão, colegas, esperam/querem/exigem de ti. Pergunta-te, para variar,
"o que me apetece a mim?" Não te mates para amar, socializar e
trabalhar. Vais morrer um dia de qualquer maneira e todos te vão perder. E
terás sido feliz...? Mima-te, cuida de ti, vive bem, para seres melhor a amar,
a socializar e a trabalhar e, sobretudo, não prescindas da tua essência, pois
podes não ter tempo sequer de te vir a arrepender...
Sofia Cardoso
28 de julho de 2019
Comentários
Enviar um comentário