Engolida Angústia

Tínhamos uma sintonia única. Adoravas que eu adivinhasse o que estavas a pensar, onde te apetecia mesmo ir, o que te apetecia mesmo comer… Na maioria das vezes, adivinhava, sim! Ficavas radiante…
No dia em que publicaste, numa rede social que pouco usavas, uma colagem de fotos de várias fases da tua vida, após teres ido a uma consulta e não me teres telefonado para me despreocupar, percebi que tínhamos um problema. Peguei imediatamente no telefone mas, típico, não quiseste falar.
Sem exames que o comprovassem, puseram-te à beira do precipício. Recusaste-te a saltar e viraste-lhe costas, revoltado mas cheio de medo. Preferiste, acredito eu agora, atirar-te antes para o buraco negro da negação. Talvez tenha sido mais fácil para ti e isso descansa-me. No entanto, nunca me iludiste, apesar de eu ter precisado de te fazer acreditar que sim.
Durante dois longos meses estivemos distantes e nessa primeira fase só tinha suspeitas e receios, muitos receios. Todavia, guardei-os a muito custo para mim e fui vivendo. Só que chegou o dia do confronto face a face e aí… Aí o meu coração soube-o assim que os meus olhos fixaram os teus, enormes num rosto frágil que já não era o teu.
Fui fortemente fraca, precisava de explodir e não podia. Então fugi sob a capa de uma desculpa qualquer. Estava despedaçada e não queria que o sentisses. Isso deitar-te-ia abaixo mais depressa que o maldito bicho.
A partir daí, hibernei. Mergulhei voluntariamente num sono de alheamento consciente auto protetor. Até que uma mensagem me acordou. A bomba que me queriam revelar andava, qual grilhão, atada aos meus pés há muito tempo. Só que agora fora acionada e começava a contagem decrescente. Uma semana foi quanto durou. A tua resistência, a minha engolida angústia.
Presente, de corpo, firme quanto uma vela num castiçal. Ausente, de coração, vulnerável quanto a sua chama. Assim aguentei até o sopro de Deus apagar o teu próprio fogo.
Não chegámos a conversar ou sequer nos despedimos. Sabíamos que se o fizéssemos iríamos desabar de imediato e escancarar a nossa tão nossa forma de ser, transparente, emocional, como o abrir do livro das nossas lembranças, escrito de páginas sentidas, ao vento da saudade. Por uma vez, uma primeira, última e, assim, única vez, era mais fácil camuflá-la. Deixar simplesmente que o livro se fechasse, para sempre, sob a rajada da realidade.

Sofia Cardoso
09 de janeiro de 2013

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