O essencial...
Acordei com o som do mar revolto e, agora à
janela, consigo ver a espuma das ondas, o que, dada a distância, é
suficientemente revelador da sua fúria. Imagino que seja o Adamastor a
perguntar àquelas pessoas que ainda conseguiram cá chegar o que raio vieram
para cá fazer...
Estou em casa com as minhas duas filhas e isso
não me entristece nem angustia, apesar do meu verbo preferido continuar a ser o
verbo IR. Estou habituada a estar longe da família e de parte dos amigos. A
perder uma série de eventos familiares e sociais porque não tenho os
superpoderes da omnipresença e do teletransporte. A querer ir onde nem sempre
posso. A ter de estar onde nem sempre quero. É triste, mas a pessoa habitua-se.
Por isso, não sinto aquele choque de corte de relações presenciais que muitos
de vocês estão a sentir, mesmo tendo saudades. O que acontece é que o sinto
mais em relação às pessoas que estavam sempre perto e à distância das rotinas
diárias. Mas nestas circunstâncias não ouso queixar-me por estar em casa. Nós
continuamos bem, as três, juntas, distraídas com coisas de que gostamos. Não
nos é exigido mais do que ficar (confortavelmente) cá dentro. Não ouso
considerar isto um verdadeiro sacrifício. Não o é. O mesmo já não acontece com
quem precisa mesmo de sair, de ir à luta, de dar tudo por tudo, por todos os
outros.... E é isso que me angustia, o que se passa lá fora... Sob todos os
pontos de vista: pessoal, social e económico.
Ontem ouvi um médico dizer que é para isto que
servem (senti-lhe um orgulho tão nobre na voz...) E é, para salvar vidas. Não
para lidar com a insuficiência de recursos, nem com a estupidez alheia, muito
menos com a "morte a metro..." para o que podem contribuir as duas
últimas. Por isso, numa altura em que quem sabe faz o melhor que consegue, o
impossível física e psicologicamente para estar lá a 100%, deixando a própria
família para segundo plano, não há tempo para egos. Há que pensar nos outros
que amanhã ou depois podem inclusivamente ser os nossos.
"O essencial é invisível aos olhos" e
neste momento os esforços de todos a quem é exigido que estejam na linha da
frente, desde o médico que tudo faz para salvar até à auxiliar que vai a correr
atrás para tudo desinfetar, a par de todas as outras profissões periféricas
absolutamente necessárias à nossa subsistência, auxílio, segurança, informação
e tudo aquilo que a maioria de nós não vê e desconhece, merecem, acima de todas
as palmas e vénias, o nosso maior respeito e gratidão, consubstanciados em pura
e simplesmente cumprirmos as regras que nos impuseram.
Sofia Cardoso
04 de abril de 2020
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