A Direito

As horas da tarde atropelavam-se, atropelavam-me. Começava agora a sentir aquele frio na barriga de quem conduz o coração em excesso de velocidade e, por isso, anseia, temendo, qualquer coisa… (A devida multa por incumprimento?!)
Estava a ser perseguida pelo cair da noite que me encostava à berma do tempo para estudar. Páginas atrás de páginas que me faziam sinais de luzes com a pretensão de me manter acordada mas, ao invés, me turvavam os olhos já esgotados de letras miúdas.
Era só mais um exame. Esperava-me na manhã seguinte como tantos outros cuja conta perdi nas paragens da vida e, ainda assim, sempre a mesma sensação opressora de que não dei prioridade aos livros que vinham pela direita do lazer...
Sofria muito mais a pressão de ver a corrida terminar do que a pressão da falta de combustível do saber porque este sempre foi pingando e nunca me deixou ficar a pé.
Nunca, pois, que estou de novo no derradeiro ano, o décimo sétimo de uma corrente de ciclos que terminam num cadeado sem chave.
Espera, algo me apita ao longe… Terei sido desclassificada? Fiz algo de errado ou estarei a chegar já à meta?
Não! Despistei-me na estrada onírica do meu cérebro e embati violentamente contra o muro da realidade! Um apitar estridente desperta-me alertando-me para os muitos quilómetros percorridos desde que perdi a chave da ignição do carro do Direito.
Sem traumatismo e até de certo modo aliviada, dou-me conta de que saí há muito do circuito fechado dos estudos e afinal conduzo já na estrada de quem segue para o emprego mas as curvas do mapa levam-me a direito por linhas tortas.
Nas bancadas da assistência, esperam-me hoje dezenas de crianças e não dezenas de leis, como ontem.
Fiz um bom tempo na corrida ao diploma. Contudo, prefiro não continuar a correr, sobretudo contra o tempo e gozar antes da paisagem lá fora.
De resto, a vida é muito mais do que um circuito cinzento, onde todos os riscos estão mais ou menos calculados ou os perigos sinalizados.
Precisei e preciso de arriscar, sair da linha, sem que isso implique pisar o traço contínuo; ousar um horizonte que me atraia mais, mesmo que não o consiga vislumbrar...


...Ainda...

Sofia Cardoso
06 de maio de 2012

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